O fado da vida

Ariadne, sempre desejou dar vida a um ser semelhante, vê-lo crescer, educá-lo para prosperar e vingar. No dia em que recebeu a notícia de que iria conceber um menino, o seu coração disparou, uma quantidade avassaladora de emoções assolou-lhe o coração…é indescritível a sensação, a alegria gerar uma parte de si, a que irá atribuir um amor incondicional. Mas, esta alegria, transcendente a toda a realidade, é acompanhada por um medo constante de falhar, de vacilar…a extrema responsabilidade de oferecer ao mundo uma dádiva de imensurável magnificência e, ao mesmo tempo, de libertá-la para que também ela se transforme num ser capaz de deixar a sua marca, é arrebatadora.
Ariadne guiou Teseu para que ele fosse o pioneiro na história familiar a frequentar um curso superior. Ela idealizava um médico, dando primazia à neurocirurgia. Tudo fez para que a formação do seu filho fosse na área da medicina: durante a infância e a adolescência, os brinquedos, os livros, eram todos relacionados com essa área. Mas, Teseu tinha outro sonho: ser artista…um pintor surrealista….a sensação que o pincel lhe proporcionava era de elevação a um mundo transcendente, onde atingia uma felicidade e realização inacessíveis no mundo físico real.
O dia 08 de Julho de 2006 foi um dia marcante na vida de Teseu e de sua mãe, pois era o dia da inscrição para o concurso ao ensino superior. No dia anterior, Ariadne decidiu encarar o que ignorou até à data: a vontade do filho, no que diz respeito à sua carreira profissional. Ela sabia que havia chegado o momento de cortar o cordão umbilical mental inquebrável, que a ligava a seu filho, apesar de não saber se iria, algum dia, ser capaz de o concretizar. Teseu comunica-lhe que o seu destino é a escola de artes, em Londres e mostra-se irredutível quanto à sua decisão, já há muito planeada. É inimaginável a dor de sua mãe, ao aperceber-se que não iria mais guiar o seu rebento no labirinto vivencial. Teseu estava consciente de que teria de lutar contra os “Minotauros” do mundo das artes, mas o feito de poder exercer o que realmente o apaixonava era superior a todos os obstáculos possíveis e imagináveis….no seu pensamento, a sua força de vontade era invencível.
Uma simples mensagem é aqui proferida – a todos os Teseus: deixem-se guiar, mas não tenham medo de enfrentar os monstros no grande labirinto que é o mundo real; a todas as Ariadnes- ajudem a elucidar na mente dos Teseus o fio condutor da vida, mas não deixem as vossas expectativas causar qualquer tipo de sofrimento e sentimento de perda….encarem a vida tal como ela é e mentalizem-se que a parte de nós com que presenteamos o mundo, deixa de nos pertencer no momento exacto da concretização da oferenda.

Verónica Sousa
(Psicologia)

1 thoughts on “O fado da vida

  1. Texto belíssimo, de uma simplicidade tocante, que atinge ao mesmo tempo profundidade. Um excelente exemplo de reescrita mitológica, de alto nível. Venham mais reescritas assim, até dá gosto.

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